Os 14 anos da Olímpia

O nome dela é Olímpia. Tem 14 anos e uns olhos cheios de vontade de viver, presos ao medo de não o poder fazer.
É irmã de 5 raparigas e 2 rapazes, todos eles num barco fechado a sete grades de pânico, ansiosos por fugirem, cheios de sede da liberdade que os faz pessoas.
Já conheço a Olímpia á muitos anos. A primeira vez que a vi os meus filhos eram recém nascidos. Eu estava a caminho de casa da minha sogra quando ela e a Lúcia, irmã mais nova, me abordaram a pedir para verem os bebés, quando a Lúcia meteu a mão dentro do côco e fez soltar um grito da boca do João.
– o que é que fizeste??!! – zangada perguntei.
– eu não fiz nada… – Respondeu mentirosamente a Lúcia.

Saí disparada e só parei em casa revoltada com a maldade daquela criança.

Passados dois anos, já eu a trabalhar no bar, a Olímpia apareceu para vender pensos. Reconheci a logo. Meti conversa com ela e disse lhe o quanto ela era bonita ( Sempre soube que estas meninas só fazem o que lhes fazem dentro da própria casa… Só fazem o que os pais lhes ensinam a fazer ). Houve uma compaixão imediata aqui no bar e todos, á sua maneira, lá lhe davam uns miminhos: um copo de sumo, um gelado, os patrões compravam lhe pensos. A Olímpia é obrigada, desde os 5 anos a vender pensos para o pai. Caso não venda o pai bate lhe com o cinto e como se não bastasse a mãe bate lhe porque ela fez com que o pai lhe batesse.
Se ela comprar um casaco para ela o pai bate lhe. Se ela comprar comida para lhe matar a fome enquanto passa o dia inteiro a vender, o pai bate lhe. Se ela é vista a falar com as amigas, o pai bate lhe. Se ela pede para o pai não bater, o pai bate lhe. E não acontece só á Olímpia… Também aos 7 irmãos acontece, aos menores é o pai quem bate, às mais velhas que estão casadas são maridos. Também as primas delas são alvo de cintos e cadeiras. A Olímpia só quer que ela e os irmãos parem de sofrer:  “Estou cansada de sofrer. Hoje não dormi porque virava me para um lado e doia me as costas. Virava me para o outro lado e doia me as costas. ”

Ela já teve a coragem de ameaçar o pai dizendo que ia fazer queixa, mas adivinhem o que aconteceu… Nao preciso dizer, pois não?

Ela quer fazer queixa mas tem medo. Ela quer fugir mas tem medo. Ela quer trabalhar para juntar dinheiro para fugir, mas não pode, porque tem medo e porque ninguém vai dar trabalho a uma menina de 14 anos. Ela quer ir para França, mas não tem onde ficar e… Tem medo.

A Olímpia gosta de lavar pratos, gosta de ir á escola e gosta muito do namorado, que para ela é a única salvação, pois casará as 16. Mas até lá faltam 2 anos e ela está farta de sofrer. Ela tem um longos cabelos loiros, uma cara cheia de meiguice que contrasta com o sofrimento e o desleixo de quem não a sabe criar, educar e amar.

Hoje ela apareceu aqui. Já não a via á algum tempo. Falou me destas coisas todas : do quanto todos sofrem na família dela, do quanto ela quer fugir mas não sabe como, o quanto as botas lhe apertam os dedos por serem pequenas, quando não pode comprar umas que lhe sirvam porque o pai tem um cinto que adora o corpo da Olímpia.
Ainda me disse que gosta de vir aqui para ver o mar, para tentar espairecer e esquecer toda a violência de que é vítima, mas diz que não consegue, pois ao final da tarde vai para casa onde as probabilidades de não levar uma sova são minúsculas.

Gosto muito dela. Acho que ela vai ser uma grande mulher. Sempre soube, porque vejo uma sensibilidade tremenda nas palavras que solta em desespero. ” As minhas irmãs sofrem tanto… ” é a preocupação dela.
Ela ainda acredita que a mãe vai deixar de lhe bater.

Penso nos meus 14 anos… Penso no que deveriam ser as preocupações desta menina: as boas notas, os namorados, o período, como tirar os pelos, os brincos a usar, em que amiga confiar…

Penso nos meus 14 anos e… Céus! Como fui ingrata!

A Olímpia é de uma família cigana e é só o exemplo do que acontece nas famílias desta etnia e de tantas outras que vivem de e pela violência e penso…

Fico presa ao pensamento do como parar ou atenuar estas situações, pois apenas se fala da violência domestica nas família de origem portuguesa, que por norma acaba por ser uma opção da vítima ficar e não fazer nada. Elas tem a informação, não fogem por outras questões. Mas e estas crianças? Nao são alvo de atenção porquê?

Fica aqui a questão e umas tantas outras para reflectir, como por exemplo: o que fazer?

Autor: ineggers

Sobre mim falo, escrevo, penso, saio e colo me olhando para mim. Observo o que tenho de bom, o que posso melhorar e estudo bem os meus erros, com consciência, que apenas passo por aqui, nesta vida, moldando a minha alma a um corpo que desconheço. Auto-conheço, com o propósito de chegar ao equilíbrio, que vive em dois mundos: o que está dentro de mim e o que de fora me envolve. Choro quando sinto demais (bom e mau) e ergo me pensando no porquê do meu choro, daí vem a verdadeira magia do meu "estar". Resolvo tudo questionando com o "como?" para as soluções virem à tona com a simplicidade de um clique. Danço com e pela vida e manuseio as minhas capacidades em prol de um bem maior, e assim os meus sonhos estão pousados na intenção de construir um mundo melhor para o máximo de pessoas possível.

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